18 de set. de 2008

O Negativo


Ainda não consigo pensar muito bem. Nem mesmo as outras partes tem funcionado plenamente segundo suas obrigações. Acabo rumando para a mesma reflexão sobre o motivo pelo qual estou aqui derramando palavras. Afinal, há tanta coisa interessante a ser discutida por aí. Mas acredito que as lágrimas tem sido proporcionais ao desgosto, por isso é normal tanto derramamento, só que dessa vez sob a forma de texto.
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É deprimente a maneira como o mundo nos oferece e esconde as alegrias de modo arbitrário, contrariando a lógica das idéias e dos fatos.
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Nunca me senti tão ignorante com relação ao amor. Se é como dizem os poetas, sou apenas mais um a viver as mesmas histórias de sempre. Talvez a saída tenha algo a ver com menos depósito de expectativa num sentimento tão obscuro. Já deveria ter recobrado este juízo em épocas anteriores, mas tenho o mau hábito de ser otimista. Fato que me põe na condição de cego, porque nem as repetições me fazem mudar de caminho.

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O que impera no mundo parece ser a escassez, isto é, as energias e o conhecimento em si não estão aí de bobeira esperando pela boa vontade dos seres aleatórios. Por outro lado, quanto menos sei das coisas, menos sofrimento encontro pela frente. Bem que essa ingenuidade poderia repousar sobre a minha cabeça.
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O amor é como uma divindade máxima: possui fiéis ávidos pelo seu conforto e compaixão, é o porto seguro das aflições, a convergência das alegrias para o fim da vida... O amor é o universo simbólico tocante, a experiência da experimentação. Entretanto, assim como a intensidade da fé dos rebanhos, as concepções são vastas. O amor pode ser qualquer coisa, qualquer apanhado de clichês de novela, uma citação de Shakerspeare, uma nota bemol do piano, uma Special K. Como poderei ser injusto ao ponto de apresentar uma carta de princípios a leitores tão imorais? Como posso empurrar aos incrédulos um conceito ou uma divindade qualquer? Para eles, o amor é psicológico. Para outros, o amor resolve tudo.
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O mundo, cansado de idas e vindas de seus ocupantes, lava as mãos para o que há por vir. Debilitado, o amante pede socorro aos companheiros mais próximos, aos céus, na pressa de consertar o elo. A felicidade é traiçoeira, pois somente a tristeza tem a coragem de mostrar que estamos sozinhos para enfrentar as adversidades. Ninguém pode sentir por mim, ninguém saberá as imagens mais marcantes e as conversas estonteantes, muito menos as mágoas assentadas no fundo das lembranças.
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E cada dígito se transforma na dor sorrateira, tal qual a imensidão dos olhares atravessados em busca de afago. Qualquer foto pode ser preto e branco, pra realçar bem as marcas cujas sombras se confundem com o sinal do olho, pois quando a vida exige respostas, a melhor maneira de escapar é apagar o filme da câmera.

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Pensar demais é prejudicial à saúde, sentir talvez seja mais ainda.

12 de set. de 2008

Buzina


Estou aqui sentado de frente pra essa parede vermelha que nem fala ou exprime sentimento. Feliz dela não ter cérebro ou coração. Pois bem, acordei esperando por ela. Foi muito pior saber de sua intenção, porque até agora o coitado do estômago tem solicitado fôlego. Entretanto, essa manifestação de ansiedade era algo a ser declarado, no mínimo, como suspeito. Se bem que eu nunca fiz questão de discordar visualmente de meu estado emocional. Palavras são ótimas para definir posições, demonstrar pensamentos, mas são insuficientes para garantir adesões mais profundas. Quantas vezes não dei “bom dia” só pelo automatismo? Quantas vezes neguei querendo admitir? A rua tem virado uma grande arena. Está cada vez mais difícil encarar os rostos suspensos. Se fosse possível nem tiraria os óculos escuros, só os compromissos ainda têm autoridade. Então, tomo uma xícara de chá. Descobri no Medicina de A a Z que erva-doce e hortelã são plantinhas com propriedades calmantes. Não custa nada misturá-las, vai que dá certo. A televisão, a luz, a música, os papéis. Tudo incomoda. Nem mesmo as Songs For The Death têm graça. Pensando bem, para quem anda desidratando pelos olhos, o título está deveras sugestivo.

7 de set. de 2008

O Grande Bem



Falei um monte de coisas dispensáveis. Mais interessante seria ter observado as palavras não pronunciadas, aquelas que todo bom leitor de formas idiossincráticas sabe constatar. Enfim, um dia chegarei lá. Posso afirmar em cadeia nacional que amadureci. Ora, experiência não é passar a vida inteira desenhando os mesmos passos sem deixar pegadas. Não adianta ficar pensando que escrever às quatro horas da manhã vai curar alguma dor, embora ajude muito a combater o drama da solidão. Faço das palavras minha companhia. Chegam de fininho, desordenadas, como as placas dos carros perto do shopping. A impressão é que a qualquer momento pode vir uma três-quatro-onze. Do lado de cá, do lado de lá. De que lado você samba? De que lado eu posso estar? Amanheço como uma caixa de pizza do fim de domingo depois da missa. Tenho levantado assim para trabalhar. Vou. Volto. Tudo tão automático. Eu adorava quando o telefone tocava e as carinhas se beijavam. Hoje, qualquer vibração reverbera lá no estômago. Aliás, só sei da existência dele por conta das dores, de resto nem sei quando a comida vai voltar a ter gosto.