12 de dez. de 2008

Pode Acreditar

Um traço marcante da Nova Ordem é a cumplicidade nos relacionamentos amorosos instantâneos. Veja bem, cumplicidade. Por isso mesmo, deduz-se que homens e mulheres compartilham de semelhante ideal individualista. Antes das declarações de amor, da troca de telefones e filhos existe uma grande força apaziguadora chamada “Eu”. “Eu” é mais importante que o futuro, os negócios, a crise financeira ou o gol de calcanhar do Obina na final do campeonato carioca. Portanto, esqueça de vez aquele velho farto histórico-estigmatizante carregado pelo homem ao longo de sua trajetória sexual e afetiva. Da melancolia apelativa das páginas de orkut à falsa euforia do msn, dos rompimentos às noites mal dormidas, da aposta ao prêmio, do encanto à realidade, dos erros de raciocínio à mensagem de celular nas madrugadas. Quando a moral e os valores mudam, antigas reivindicações perdem o sentido. Pois não é que ainda tem mulher que insiste em se fazer de vítima?

7 de dez. de 2008

Eu Bem Sei

A letra da música poderia mudar o refrão, a respiração poderia mudar de ritmo. Sem teu corpo o meu fica nu, sem tua presença meus passos não deixam pegadas. É como se eu andasse o suficiente para ir e não chegar. Nenhum lugar me traz sossego. Eu bem sei quantos olhares perdi no vazio na impressão de ter te visto passar com a mochila e os coelhinhos. Interrompem a minha freqüência perguntando pelo sinal. Respondo curtinho que a herança vem do parto. Uns param pra olhar de perto, outros sentem saudade. Sobre este ofício, eu bem sei.

30 de nov. de 2008

Levanta-te e anda

Escondam todos os seus discursos. Por enquanto gostaríamos de ouvir apenas seus consolos mentais. Telepáticos. Sabemos que todos tem algo a dizer, até mesmo os recém-admitidos. Um empurra daqui, outro de lá. Aos poucos as palavras foram colocadas pra fora, mas de nada adiantaram para o fim específico. Muitas janelinhas saltitaram para ouvir os recados eufóricos. Na abundância é fácil compartilhar os frutos, difícil é levar notícia ruim aos interessados. Mais janelas, mais recusas. A cabeça pequena se encolhe no fosso da alma de elefante. Aquele menino que vive brincando de gente grande precisa parar de pensar que o seu umbigo é brinquedo.

18 de set. de 2008

O Negativo


Ainda não consigo pensar muito bem. Nem mesmo as outras partes tem funcionado plenamente segundo suas obrigações. Acabo rumando para a mesma reflexão sobre o motivo pelo qual estou aqui derramando palavras. Afinal, há tanta coisa interessante a ser discutida por aí. Mas acredito que as lágrimas tem sido proporcionais ao desgosto, por isso é normal tanto derramamento, só que dessa vez sob a forma de texto.
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É deprimente a maneira como o mundo nos oferece e esconde as alegrias de modo arbitrário, contrariando a lógica das idéias e dos fatos.
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Nunca me senti tão ignorante com relação ao amor. Se é como dizem os poetas, sou apenas mais um a viver as mesmas histórias de sempre. Talvez a saída tenha algo a ver com menos depósito de expectativa num sentimento tão obscuro. Já deveria ter recobrado este juízo em épocas anteriores, mas tenho o mau hábito de ser otimista. Fato que me põe na condição de cego, porque nem as repetições me fazem mudar de caminho.

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O que impera no mundo parece ser a escassez, isto é, as energias e o conhecimento em si não estão aí de bobeira esperando pela boa vontade dos seres aleatórios. Por outro lado, quanto menos sei das coisas, menos sofrimento encontro pela frente. Bem que essa ingenuidade poderia repousar sobre a minha cabeça.
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O amor é como uma divindade máxima: possui fiéis ávidos pelo seu conforto e compaixão, é o porto seguro das aflições, a convergência das alegrias para o fim da vida... O amor é o universo simbólico tocante, a experiência da experimentação. Entretanto, assim como a intensidade da fé dos rebanhos, as concepções são vastas. O amor pode ser qualquer coisa, qualquer apanhado de clichês de novela, uma citação de Shakerspeare, uma nota bemol do piano, uma Special K. Como poderei ser injusto ao ponto de apresentar uma carta de princípios a leitores tão imorais? Como posso empurrar aos incrédulos um conceito ou uma divindade qualquer? Para eles, o amor é psicológico. Para outros, o amor resolve tudo.
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O mundo, cansado de idas e vindas de seus ocupantes, lava as mãos para o que há por vir. Debilitado, o amante pede socorro aos companheiros mais próximos, aos céus, na pressa de consertar o elo. A felicidade é traiçoeira, pois somente a tristeza tem a coragem de mostrar que estamos sozinhos para enfrentar as adversidades. Ninguém pode sentir por mim, ninguém saberá as imagens mais marcantes e as conversas estonteantes, muito menos as mágoas assentadas no fundo das lembranças.
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E cada dígito se transforma na dor sorrateira, tal qual a imensidão dos olhares atravessados em busca de afago. Qualquer foto pode ser preto e branco, pra realçar bem as marcas cujas sombras se confundem com o sinal do olho, pois quando a vida exige respostas, a melhor maneira de escapar é apagar o filme da câmera.

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Pensar demais é prejudicial à saúde, sentir talvez seja mais ainda.

12 de set. de 2008

Buzina


Estou aqui sentado de frente pra essa parede vermelha que nem fala ou exprime sentimento. Feliz dela não ter cérebro ou coração. Pois bem, acordei esperando por ela. Foi muito pior saber de sua intenção, porque até agora o coitado do estômago tem solicitado fôlego. Entretanto, essa manifestação de ansiedade era algo a ser declarado, no mínimo, como suspeito. Se bem que eu nunca fiz questão de discordar visualmente de meu estado emocional. Palavras são ótimas para definir posições, demonstrar pensamentos, mas são insuficientes para garantir adesões mais profundas. Quantas vezes não dei “bom dia” só pelo automatismo? Quantas vezes neguei querendo admitir? A rua tem virado uma grande arena. Está cada vez mais difícil encarar os rostos suspensos. Se fosse possível nem tiraria os óculos escuros, só os compromissos ainda têm autoridade. Então, tomo uma xícara de chá. Descobri no Medicina de A a Z que erva-doce e hortelã são plantinhas com propriedades calmantes. Não custa nada misturá-las, vai que dá certo. A televisão, a luz, a música, os papéis. Tudo incomoda. Nem mesmo as Songs For The Death têm graça. Pensando bem, para quem anda desidratando pelos olhos, o título está deveras sugestivo.

7 de set. de 2008

O Grande Bem



Falei um monte de coisas dispensáveis. Mais interessante seria ter observado as palavras não pronunciadas, aquelas que todo bom leitor de formas idiossincráticas sabe constatar. Enfim, um dia chegarei lá. Posso afirmar em cadeia nacional que amadureci. Ora, experiência não é passar a vida inteira desenhando os mesmos passos sem deixar pegadas. Não adianta ficar pensando que escrever às quatro horas da manhã vai curar alguma dor, embora ajude muito a combater o drama da solidão. Faço das palavras minha companhia. Chegam de fininho, desordenadas, como as placas dos carros perto do shopping. A impressão é que a qualquer momento pode vir uma três-quatro-onze. Do lado de cá, do lado de lá. De que lado você samba? De que lado eu posso estar? Amanheço como uma caixa de pizza do fim de domingo depois da missa. Tenho levantado assim para trabalhar. Vou. Volto. Tudo tão automático. Eu adorava quando o telefone tocava e as carinhas se beijavam. Hoje, qualquer vibração reverbera lá no estômago. Aliás, só sei da existência dele por conta das dores, de resto nem sei quando a comida vai voltar a ter gosto.

14 de ago. de 2008

Bienvenido ao Clube

Viver de desejos é loucura plena. Tamanha sensação é a angústia de viver em função de pensamentos oportunistas. As páginas cravejadas de palavras tidas como universais às vezes são apenas particularidades. É isso o que se pode esperar de um mundo que ensina qualquer um a se omitir, sobretudo quando há algo que signifique o mínimo de ameaça. Eis um ponto central: o que pode realmente representar uma ameaça? Acordar, tomar café e passar a margarina nos dois lados do pão. Uma seqüência automática. Repetições? Não, obrigado. O senhor pode me ver o cardápio? Reflexões acerca da felicidade eu nem conto mais. Inúmeras maneiras de rir de si mesmo. Aos carentes de discernimento só lhes resta crer que o limite é chão. Um axioma. Mas vejam só quanta roupa extravagante. Há algo errado aqui, nem é Natal. Espero que não. A vida é tão breve. Parece que foi ontem o dia do tropeção naquela enxada que arranhou parte da minha dignidade perante meus companheiros de time. Além da metade do dedo, deixei para trás marcas verdadeiras de sangue. Eis uma questão de honra querer que todos reconheçam minha bravura, seja pela pelada ou alguma estrofe de letra expelida. Tem que jorrar sentimento. E por isso não posso me dar ao luxo de desejar apenas aquilo que me é oferecido. Sinto-me no mesmo direito de ter um fabuloso destino, Amélie que o diga. Enquanto houver proveito e um tanto de diversão a fonte vai jorrar, alguém aí pode até não concordar. E o que me resta, obedecer ao id ou desafiá-lo correndo o risco de comprar uma briga para o resto da vida?

10 de ago. de 2008

Volta e Meia

Não dá para ser humano estritamente racional. Quando se pensa numa ação ponderada foi porque outra emoção tomou o lugar daquela anterior. Isso explica nossa vulnerabilidade perante palavras, pessoas e imagens. Os maiores feitos, as maiores burradas, o pão da esquina, a máquina de levar, as letras incompletas da música, os blogs etc. O raciocínio obedece ordens supremas. Se fôssemos tão racionais o mundo teria outra forma, outras pedras para tropeços. Sendo assim, qualquer coisa pode reinar sobre nós, basta que nos disponhamos a isso. O que adianta pensar que estamos fazendo a coisa certa se somos o erro em partículas? Nunca saberemos ao certo o certo que nos cabe. Nossas únicas verdades são rotinas do futuro do pretérito alheio. Portanto, qualquer ameaça aos padrões estabelecidos é motivo de queda, mas não condição arbitrária. Ir abaixo é uma questão de despreparo. Encarar a pequenês humana é uma virtude.

9 de ago. de 2008

Sucessões

O menino está tão perdido que nem sabe por onde começar a pedir informações. Ele cobra de si mais que o normal, é capaz de nem aceitar o mapa com o endereço certo de casa. Talvez nem exista algo que ele possa realmente chamar de lar. Como explicar para alguém que está sem chão que o piso precisa ser encerado? Nada como aprender. E como todo vagabundo que sai à rua para dispersar o mundo das idéias, é necessário entender que a vida vai além do que se vê ou se aprende em casa. Esta posição não é nada confortável, mas é a única que lhe pertence de direito. A culpa que fique de fora. Mas se eu acendo uma vela como posso querer que a parafina não se acabe?

7 de ago. de 2008

A Porta da Rua é a Serventia da Alma

Foi tanto asfalto que mal pude sentir saudade de mim mesmo. Porque nenhuma pele que desafia a estrada permanece sem resquícios de poeira. Não há protetor que bloqueie os efeitos da luz do sol, onde o conforto mais sincero que se pode obter é o abraço do mundo. Nunca é o bastante. O menino com o pensamento lá na sola do pé só precisa saber onde há mais poeira. A poeira certa, a renovação das tragédias cotidianas cheias de si. Quando a cabeça não mais aguenta é sinal de que a orquestra da vida precisa tocar mais alto. Nenhum lugar tem coordenada fixa, minha latitude está longe de tudo. Longitude demais. Meu coração é do tamanho da fila dos que furam fila. A minha vez está marcada atrás daquele senhor que está no volante. Posso ir a qualquer lugar que eu possa roubar cartazes indefesos.

31 de jul. de 2008

O Tempo Inteiro

Hoje eu quero te ver
Amanhã também
Hoje eu quero te fazer feliz
Amanhã também
Hoje eu quero ser você
E você, ninguém
Mas eu prefiro que você exista hoje
Amanhã, também.

6 de jun. de 2008

Cash, Hermano!

Hoje tive a certeza de como o dinheiro é importante na vida de um indivíduo. Esqueça aquele papo de movimento de rotação e translação. Definitivamente o que move o mundo é o capital. “Diga-me o que consomes e te direis quem tu és”, já diria o querido Chico Xavier. Pois bem, depois de uma calorosa viagem de volta num transporte coletivo lotado, cujo motorista vinha em pé e o cobrador logo atrás num mototáxi, cheguei em casa. Constatei que não podia discordar do jantar. E por quê? Por quê? Hein? Porque eu não tinha um tostão sequer. Só por isso. Conformei-me. Em seguida, com uma expressão de aprovação, empurrei para dentro tudo o que tinha no prato. Inclusive cheguei a cogitar a possibilidade de repetir a porção, mas logo depois desisti. “Mais tarde completo o bucho com pão e queijo”, pensei. Mas quando se tem dinheiro no bolso a coisa é diferente. “Hum, não gostei muito da cara desse frango. Ele está meio anêmico ou ele é alérgico a corante, mãe?”.

1 de mai. de 2008

De Fininho

Foi como se nada tivesse acontecido. Parei. Olhei pro tempo como quem simula preocupação. Fiz tudo o que a cena exigia para que eu pudesse sair ileso, embora seja pouco provável que alguém não tenha memorizado minha fisionomia. Exatamente num desses cantinhos em que o cérebro associa rostos a fatos torpes. Até sentia uma vontade absurda de gritar, mas isso só poderia atrair algo que naquele momento era o que eu menos queria: atenção. Posso imaginar um corno em sua perfeita harmonia com o mundo. Isso porque ele não sabe de nada, isto é, nunca enxergou nenhuma situação que pudesse comprovar tal privilégio. Não precisava os dois, foi necessário apenas um. Um mísero olho e aquelas pessoas me viram naquele estado. Hoje em dia é tão fácil resolver pequenas situações via celular, só basta ter crédito. É fato, poucos o têm. São como bruxas que saem nas madrugadas para dar um passeio de vassoura: não acredito em créditos, mas sempre tem aqueles que já viram. Coisa fina. Rara. Algo como pessoas que riem do “Zorra Total”. Já que eu não tinha crédito, resolvi sair de fininho. Foi como se nada tivesse acontecido.

13 de fev. de 2008

Fora dos Cascos

O homem nasce, cresce e fica burro. Essa é a seqüencia correta para qualificar o desenvolvimento humano. Isso porque pode-se dizer que há mais erros de raciocínio que acertos, de modo a salientar o profundo envolvimento dos sentimentos, subestimando o uso racional ao princípio de incapacidade. Se eu amo X, então X me ama? Obviamente que não, mas eu posso esperar por isso, alimentando meu corpo de ignorância e imaturidade. Aí entra a questão a qual me refiro, já que entre a nossa raça é tão comum o mal hábito de cobrar do mundo o empenho depositado em alguma circunstância, como prova de recompensa. Desacostumei-me a atribuir insucesso a situações que não estão ao meu alcance, embora bem simples distribuir nichos de culpa a uma roda de mortais, nem por isso com justiça. Talvez o caminho para a redução de tanto sofrimento seja agir por conta da intuição, lendo corretamente aquilo que o espírito nos apetece. Costumo acreditar que fiz o que pude para que, em caso de não-correspondência, entenda tal fato como uma adversidade, que, a princípio, não certifique inaptidão ou infortúnio da vida como castigo divino. Embora a inabilidade seja uma virtude entre os burros, me esforço para lidar com o processador de que disponho.

12 de fev. de 2008

O Mundo e seus Negócios

Eu quero ver é quem não se torna menos interessante a partir do instante em que se convence de sê-lo. Porque a alma despretensiosa, que exala o perfume da inocência, nutre-se exatamente da não-percepção de sua atmosfera envolvente. Não falo aqui de pobres mentes iludidas, com suas respectivas sabedorias tiradas de livros, bastante cortejadas em círculos sociais pelo seu grau de erudição, cá entre nós, possivelmente dos mais arrogantes. Mas o que seriam dos leiteiros, jardineiros e afins sem seu completo desleixo voluptuoso para consigo próprio? Ora, não haveria mais adultério. Aliás, não sei bem porque essa ligação tão generosa com os prestadores de serviços. O fato é que há fetiche e isso faz das pequenas necessidades do cotidiano um nicho de mercado muito mais produtivo em tempos de globalização. Afinal, a economia precisa girar. Basta um canteirinho com umas três folhas de hortelã e duas margaridas sorridentes de pretexto para que mais um telefonema seja feito em prol do comércio. As madames, com aspecto de finesse e inteligência mas que no fundo não são nenhum e nem outro, me causam desconfiança de seus gostos. Aquele papo de chique, moderno e polido é apenas fachada para esconder um desejo ardente de cair no gozo de um suor bem escorrido, estilo fetuticcini Al Carcioffini, com direito a rolo de esticar e tudo mais. Enquanto isso o maridão engata três dias de viagens a trabalho, bastante trabalho. Tanto trabalho que a sua secretária opera em exclusidade ao seu dispor, fazendo tudo o que ele pede. E ela faz, direitinho. Nada que não possa ser encoberto com um almoço no fim de semana com a sogra. Cartão de crédito, advogado, pensão. Ora, vamos fazer esse mundo girar.

7 de fev. de 2008

Baile de Máscaras

A alegria me comove. Não sei como posso ser tão promíscuo ao ponto de me envolver tão facilmente. É que nos dias de chuva eu me molho de verdade, e me deixo à vontade, só pra ver o meu despudor se encharcar de carolices. Nem sempre é bom sorrir pra manter as aparências, embora o incômodo de se sentir excluído possa ser ainda maior. Nesse caso, recolho minha fantasia de pierrot e me alio disfarçadamente à coleção de dentes instigados a se esbaldar em samba na avenida. Ah, a alegria me comove! Sento e vejo o bloco passar com uma efusividade de dar dó ao pirata em sua caravela desbravadora, nem parece que foi exatamente naquele lugar em que foram encontradas as bolsas postiças. Ora, e não é que conseguiram fazer um canguru comprar uma dessas beldades sintéticas! Há dias em que a colombina nem comemora seus confetes, imagine pular marchinha todos os carnavais. Se não for atrevimento, gostaria de sair de casa sem me aventurar muito à majestade das cenas de enunciação, como fazem os infelizes corpos que desfilam patuás sem a devida energia do axé dos Orixás. Posso ter a força de uma tragada de charuto cubano, mas não a complacência de um soldado raso. É preciso pelo menos possuir um estado de espírito antes que a alma possa ter um status. Ah, essa alegria que emana da rua me comove! É melhor estar verdadeiramente triste que contribuir para a contaminação do falso gozo. Ah, coitada da alegria! A propósito, ia me esquecendo, estamos num baile de máscaras.

17 de jan. de 2008

Por Toda a Vida

O dia inteiro traçado por pequenas escolhas, a vida toda como obra de decisões importantes, nenhum de nós tem a noção exata das medidas adotadas para cada situação que exige um minuto de atenção. Um pouco de racionalidade aqui, uma pitada de intuição ali e mais três rodelas de emotividade, pronto, algo foi decidido. E a partir desse ato a vida pode descambar para um rumo bem diferente. Tudo é uma questão de escolha, literalmente. O erro, contrário ao arrependimento, faz parte da cadeia produtiva mental na qual o ego é a peça mais importante conforme poderia ressaltar as ocasiões em que ele foi determinante para saldar dívidas com o próprio juízo. Além do mais, não é nada cordial consigo culpar-se por ter lido o mapa de cabeça pra baixo e ter chegado a um lugar onde os botecos só vendem iogurte e as lagartas não se tornam borboletas. Num acidente de trânsito, é possível ir embora e viver setenta anos acompanhando o crescimento de seus netos que engolirão catarro aos montes ou descer do carro e ser alvejado por uma pistola automática 9mm pelo outro motorista, tudo isso em um curto espaço de tempo. Em se tratando de desespero, já basta por si mesmo o paradoxo da escolha. Ao contrário do que se admite como axioma por muitos, o maior número de opções à nossa frente em nada facilita a escolha, apenas acentua o desconforto no instante de saber o que se quer. O processo decisório está relacionado à liberdade, autonomia e controle, mas quando abrimos mão de um caminho o outro pode vir a ser nossa maior angústia. Talvez seja por isso que eu conceba a vida com uma viagem sem destino, amparada em trilhos, como no primeiro filme dos irmãos Lumière. Não posso parar. Carrego coisas em meus bolsos e pessoas em meu coração, aquilo que eu atirar para fora ficará para trás, as pessoas que descerem por algum motivo na próxima estação, também. Nesse caso, somente a memória (e se assim ela for capaz) poderá salvá-las da natureza implacável da escolha.

2 de jan. de 2008

Dados, Papéis e Signos

Tudo está parando, eu sei. Até parei de repetir frases únicas. Também acho que não preciso ler para saber quem nunca serei ou o que sempre abominarei. Leio para ter o que desconversar ao lado de alguém que reclama do calor. Se bem ando pensando com clareza, sem licença poética, é claro, estou comprometido até o último rastro de testosterona. Orgulho-me em ser um animal deuterostômio o qual desenvolve seu metabolismo a partir do ânus. Suponho que este seja o motivo da maior farsa da ciência: a inteligência humana como fator fundamental da premissa evolutiva. Amanhã outra alma desconhecerá a sua criatura e se submeterá a ela, depois cairá em estado de escravidão mórbida. Que ironia! A conta das sessões com o terapeuta está me deixando louco. Então vem uma cadeia alimentar e me prende, logo em seguida aparece uma rede de televisão para me embalar. Tem alguém querendo que eu pegue no sono. Hipnotizado já estou, só não quero incomodar o vizinho com comentários em tom pastel. Por essas e por outras, vida de criança é tão supimpa. Eu não quero crescer pra ficar inteligente e, por conseguinte, descontar a burrice em terceiros, apesar de ter poucas escolhas. Crescer é emburricar, antes a minha caixa de lápis de giz de cera. O que é, achas que sou deveras incapaz de escrever isso tudo? Vou contar pra minha mãe! Se importa de tirar a sua moral da frente do meu velocípede?