20 de nov. de 2007

Sílabas Eufóricas

Rótulos de remédios são atraentes pelas suas tarjas assíduas. Marcam a silhueta retilínea das caixinhas com cintos em preto ou vermelho, um convite ao contraste. Igualmente os objetos de perfuração espalhados pela casa. Pregos, facas e coisas de metal em geral, fomentam uma estética apaixonada por piercings. Língua, dentes, mordidas. Ouvindo o riff sujo do Seven Nation Army me comovo com a plástica dos objetos em si, com a vida dos inanimados. Insetos gosmentos contrabalanceiam com sonhos e propostas de tatuagens, senão mandalas psicodélicas. Nada perde a vibração intensa de cores efusivas, as responsáveis pelo conforto emocional mais sutil. O prazer em expressar as próprias idéias, usar a alma pelo lado de fora. O inusitado. Viva! É uma questão de novas possibilidades de expressão, sobretudo de protesto, quem sabe ao estilo Cool Hunter. De preferência uma cara amassada para contar aos visitantes sobre as olheiras de amor. Na porta, em letras garrafais, "a morte é natural e a vida é intensa e passageira". De repente, encontrei no preto uma perfeita opção para o segundo plano.

19 de nov. de 2007

Perda de Contato

Desespero também é não ter do que sorrir. Nessas horas, levantar da cama exige um tremendo esforço, dá preguiça de falar. A parede, em monocromia desalmada, não tem nada a oferecer senão a sensação de vazio. Talvez quem sabe entrasse um pouco de vento pela janela para balançar a casa-da-árvore-sem-folhas. A cama, apesar de íntima, é uma tormenta. A agitação de seus rebentos causa pesadelos a qualquer marinheiro experiente. Em ilhas desertas, o divã é um infinito tapete de areia, e os pacientes, tremendos curiosos em busca da origem da água dos cocos. Entre as mentiras contadas pelos homens, a mais sincera é a de que no fim tudo vai dar certo. Nem que seja sob aplicação de sedativos. É bem assim que as angústias se transformam em outras, suplantando uma paranóia substitutiva a cada ato de covardia. O dia que ainda não terminou na noite acordada, começa com os olhos quebrados de coragem. A luz do dia fez mais uma vítima do confronto com a realidade. Também não há escolha. Levanto querendo acordar para poder dormir.

16 de nov. de 2007

Cem Olhos

Já que não me convidaram para a festa, eu pretendo me travestir de intelectual bem-sucedido socialmente para ter acesso. Em áreas restritas, somente os bem conceituados (ou pelo menos aparentemente assim reconhecidos) gozam de liberdade para contar causos de bebedeiras ou falar daquela música do Chico, regravada pela fulaninha para levantar a bola do álbum novo. Tudo bem, sonoramente o Buarque não me atrai, talvez eles entendam isso como uma falta de absurdo, uma afronta à memória da música brasileira, que costuma manter o círculo fechado em meia dúzia de nomes admitidos como geniais. Deixemos à vontade o meu Complexo de Argus para alimentar os infinitos olhos que guardo nestes dois, apesar de um deles parecer mesmo com um monstro mitológico por conta do sinal de nascença. Fico espiando. Quanto mais vejo, menos falo sério. Entro para a lista dos menos tocados se a ironia passa despercebida e me contorço de felicidade (só por dentro, numa efusividade invisível) quando sou levado à sério instantaneamente. Não precisa conhecer muito, espere algum boçal-novo espelhar contentamento para, enfim, você aprovar com segurança. Desespero não é só rir de tudo.

10 de nov. de 2007

A Vida Tem Pressa

Negócios não têm alma. Alma não tem cor. É inútil tentar se enxergar esbugalhando os olhos no espelho do banheiro. Já me perdi inúmeras vezes tentando me encontrar. Em outras ocasiões contei os passos da ponte até aqui, chutando lata de refrigerante para pensar melhor o que falar caso perguntassem. Tornei-me adepto da ironia para confundir a quem poderia convencer. Notícias, esportes, entretenimento e vídeos, algumas inverdades absolutas estão notificando os meus sentidos. Dos presentes me esqueci, se o Papai Noel aparecer digam que fui atrás de uma água de côco com gás. Depois corro pra calçada, o lixo não pode se atrasar. Enquanto isso vão fazendo brinquedo pra ensinar logo cedo como é que se aprende a desaprender. Não me pergunte qual o meu cartão, minha identidade foi roubada. Roubaram o que eu seria. Chega mais perto pra sentir a loja do meu cheiro. Além de insensato, tenho uma sacola cheia de remédios baratos para curar os bons costumes. Nasci de um feitiço, depois o aprimorei. Hoje eu tento limpar o chão das estrelas com pano de algodão doce. Amanhã quem sabe eu pense em sorrir. Trabalhar é mesmo coisa de quem não tem o que fazer.

6 de nov. de 2007

Álbum Novo

Infinita tristeza eu poderia sentir se a caixa grande não parasse mais nos andares ímpares. A vida passaria a preto e branco num cair de pingo de chuva em noite de domingo aterrorizado pelos programas de TV. De um lado e do outro, ao avesso ou à vitrine, qualquer um saberia localizar a flecha. De fato, eu me sinto um alvo móvel, uma presa indefesa com codinome de desenho [des]animado. Preso pela força da fragilidade, irradiante nas horas vagas e assíduo nas noites de insônia. Ironicamente, roubo frases de caminhão para rechear de clichês o cotidiano. O fascínio pela megalomania reverbera pelos ares, serve apenas para acalentar sonhos. Quando se pensa grande, os ventos mais fortes sopram ao nosso favor para manter a proporção. A vida deve ser um roteiro inacabado(e muito mal pago, por sinal). Quando a gente se dá conta que é o protagonista, entende porque os coadjuvantes são tão importantes para o andar da estória. Não há ensaio ou corte, daí os erros. Então acordo num videoclipe com o fone de ouvido no máximo para não ouvir o falatório dentro do coletivo. Quem vê a cara de paisagem não sabe onde o pensamento está. Estou concentrado no presente, antigas fotos não mais existem. Cuido das novas como se fossem as últimas.