4 de dez. de 2007

Crime Culposo

Não fui o autor intelectual do crime que esta corte julga ter sido consumado. Depois de muitas horas de depoimento e acusações, foram consideradas procedentes todas as provas levantadas. Não tive como apelar ou adiar a sessão para uma nova data como costumava ver no cinema. Na verdade, estava demasiado curioso por entender o porquê de estar naquele lugar. Antes não parecia um filme, depois começou a confundir o meu senso (diga-se passagem acostumado somente a ocasiões em que o ridículo fosse abominável). Cheguei a cogitar a volta de um coma num futuro onde a inteligência artificial houvesse abolido a maioria dos humanos, senão todos. Na bancada, vários conhecidos. Mal conseguia olhar para as testemunhas presentes. O advogado havia me orientado a falar apenas o extremamente necessário para não estragar sua estratégia de defesa. Ele próprio já tinha assumido o ethos do personagem cuja saída foi a de alegar insanidade mental. Em seu discurso, o réu era incapaz de estabelecer sinapses sadias em se tratando de sentimentos e emoções. E o clima do tribunal era pesadíssimo. Eu me sentia um monstro recentemente acometido por um surto hediondo. Segundo documento impresso da acusação, as conversas virtuais, que representavam o histórico criminoso, mostravam claramente as minhas inescrupulosas intenções. Eu não havia premeditado absolutamente nada que pudesse ameaçar a integridade sentimental dela. Quando dei por mim já estávamos de mãos dadas. O juiz entendeu a história como um desvio de conduta. Quase não argumentei, não poderia prever o acontecido. Isso não fazia parte dos planos.