3 de out. de 2007

Narciso Se Contorcendo

Senti-me um cubano na Disney World, um iraniano enriquecido de urânio na Wall Street. Logo de cara eu tinha assumido o papel de obra-de-bienal com sua complexidade visual posta em questão pelos visitantes. Os olhos alçados pelo voto de pobreza espiritual procuravam como um radar o mau gosto, e os dentes, à mostra forçosamente, esticavam as faces para emplacar simpatia. Melhor assim e aproveitar a deixa para economizar no botox futuramente, senão eu dispenso. Os pedaços de pano e o chinelo já tinham sido reprovados no teste de compatibilidade antes do DNA ser colhido. Ora, estou sendo filmado e ninguém diz para eu sorrir? Eu não pretendo vencer na vida e ter a felicidade de um comercial de margarina para mostrar aos vizinhos que as coisas vão bem. Não mesmo! O cego enxerga a todos da mesma forma, mesmo sob a égide da deficiência. Já nós, amparados pelos saudáveis atributos físicos, limitamo-nos a enxergar o que está exatamente na carcaça. Pura carcaça. Eu não uso mais a velha camisa preta desbotada do Nirvana com o desenho do Kurt Cobain, nem mesmo o jeans rasgado e o all star com um vermelho de dar inveja ao Jack White. Porém, é como se as lembranças estivessem reescrevendo o senso de direção, vestindo as idéias e seguindo o velho rumo guiado pela venta.